Meus Mestres, Meus Caminhos - Por Humberto Araújo.
Humberto Araújo
Meus mestres, meus caminhos.
30 anos de carreira se passaram como num bate-papo de botequim.
Comecei minha carreira como flautista, tocando choro e bossa nova, em pequenas casas da noite do Rio, na década de '70.
Estes estilos, tão notadamente improvisativos, inclusive na flexibilidade interpretativa, somados a uma demanda do mercado de trabalho, acabaram por conduzir-me inexoravelmente ao jazz e, consequentemente, ao saxofone.
Cabe ainda notar que foi Pixinguinha o criador dessa escola de saxofonistas oriundos da flauta, "migração" tradicionalmente particular aos clarinetistas que, até hoje, diversificam suas funções, das "madeiras" às "palhetas metalizadas" dos diversos saxofones, baseados no grau de parentesco entre as duas famílias.
Dizem que "a embocadura do sax estraga a da flauta"... está aí um paradigma a ser detonado à base de muito, muito estudo de sonoridade.
Optei pelo sax alto e logo surgiu um Yamaha.
Não tinha nem modelo. Só se dizia que era um top de linha. Realmente o instrumento era um luxo! Juntei o que tinha e o que não tinha e comprei, na marra.
Fiquei um ano "malhando" como um louco e enlouquecendo a vizinhança até afinar e desenvolver um repertório básico do instrumento.
O saxofonista paulistano Teco Cardoso, nessa época, me deu toques importantíssimos, me convocava para canjas, me estimulava nos estudos. Um grande e generoso amigo.
Logo, logo estava integrando as bandas de Luiz Melodia, Zé Ramalho, MPB 4, entre outros e, não obstante, sempre incomodado com a própria sonoridade. Usava uma boquilha Otto Link 7* e por mais que trocasse de palheta, e mexesse na embocadura, não alcançava o som que desejava, ou pelo menos, deixasse de estranhar.
Fui visitar o mister sound do Brasil, Nivaldo Ornellas que me corrigiu a sonoridade propondo uma embocadura mais relaxada em uma respiração mais adequada.
Deu certo! Essas informações eu guardo até hoje, aplico em qualquer instrumento que toco e, principalmente, retransmito aos meus alunos.
Nessa mesma época, comprei um soprano Selmer Super Action '80, prateado novo.
Foi aí que entrou, definitivamente, o Bove.
Levava meu instrumento para regular, sem precisar, só pra ficar por lá na oficina dele batendo papo, testando os instrumentos que ele ia consertando, bebendo cachaça, comendo sardella do "Glicério", experimentando as boquilhas que ele ia incrementando, colando balão, jogando cacheta no final do expediente...
Muitos músicos apareciam por lá e a troca de informações era muito grande e intensa: Cacá Malaquias, Manito, Hermeto, Teco, Mané Silveira, Lino Simão, Nestico, Costita, Vinícius, e tantos outros transformavam a oficina do mestre Bove num verdadeiro fórum permanente de saxofone.
De certa maneira todos foram grandes mestres nesse período de minha carreira e esquecê-los seria, no mínimo, leviano de minha parte.
Nessa vivência, experimentei tudo e todo tipo de saxofone, boquilha, palheta, que se possa pensar existir no planeta! Altos, tenores, melódicos, sopraninos, barítonos, sopranos, flautas, flautins etc, de todas as marcas e idades.
Fiz isso durante anos e anos. Era ir pra São Paulo, que minha parada certa era no Bove José, um grande mestre e amigo, que me ensinou, definitivamente, que não importa o instrumento, a boquilha ou as palhetas, "quem faz o som é o músico!".
Levei um certo tempo para descobrir que jamais seria um jazz man, quando procurei meu grande mestre, o maestro Paulo Moura.
Na 1ª aula, em grupo, de cara, levei uma saraivada de boas borduadas. Olha a sequência:
"Poxa, você toca sax alto como se fosse tenor!";
"Esquece esse negócio de jazz! Jazz num é pra você tocar, é só pra influenciar, cara!";
"Todo be bop que você toca, fica com cara de samba ou de maxixe...! Fica nessa que você se dá bem!".
Dizia sorrindo o Paulo Moura.
Meu mundo caiu!
Topei o desafio e comecei tudo de novo: parti para o "jazz do Brasil", desta vez, no sax tenor.
Atendendo às recomendações do Bove, adquiri um Selmer Anatomic série 46 mil (1949): uma preciosidade inatingível. Ele mesmo me deu uma Otto Link 8* de metal (anos 70), que pertenceu ao grande saxofonista estadunidense Steve Grossman.
Aí foi um tal de estudar tudo aquilo que eu só ouvia: Zé Bodega, Brandford Marsalis, Juarez Araújo, Coltrane, Dexter Gordon, tirava os contracantos do Pixinguinha no tenor, etc. Em suma, passei a ter uma mirada técnica sobre o sax tenor no lugar do sax alto, apesar de não tê-lo abandonado por completo.
Em turnê pela Europa, comprei um Selmer "Super Action '80" série II que, anos depois, troquei por um outro alto prateado Selmer "Balanced Action" que acabei trocando, finalmente, por um soprano Selmer Mark VI. Para mim, outra jóia inatingível.
Em 2004, voltei a tocar o sax alto em meu 1º CD "Choro Criolo".
Vinha trabalhando essa linguagem há tempos e percebi certa incompatibilidade sonora nas boquilhas de metal e o choro.
Queria um som com menos arestas e mais "aveludado" a ponto de atenuar, um pouco, frequências nas faixas dos 3 aos 5kHz.
No soprano, mantive a velha Selmer de massa que Bove me havia dado em '84. De tão velha, não dá para ver a numeração, mesmo assim, foi tão mexida por ele que não adiantaria nem citar sua abertura.
No alto, continuo com a velha Meyer 6, também presente do Bove e, por ele tão mexida que...
No tenor tenho trabalhado, depois de muitas experiências com o Prof. Doutor Leo Fuks, com uma Otto Link de massa 8*, desta vez seguindo velhos conselhos de Nivaldo Ornellas.
Principalmente a partir de meados da década de '90, a Lapa volta a respirar os aromas do Choro e do Samba e tive a honra de ter sido um dos responsáveis por esse resgate na região.
O tempo foi passando e a Lapa se transformou em verdadeiro fenômeno de público e, o que no princípio era duas ou três casas noturnas se transformou num verdadeiro oceano de bares, restaurantes, botequins, além de ambulantes desorganizados, drogas, furtos e confusão.
A noite passou a não ser tão segura para o músico e seus caros instrumentos.
Foi então, que os músicos cariocas, principalmente os de sopro, inventaram uma coisa chamada "kit Lapa". Ou seja, ao invés de ir trabalhar com seus "selmers", optaram por empregar instrumentos mais baratos que também oferecessem desempenho satisfatório para suas necessidades.
Foi quando tive a grata surpresa de conhecer um instrumento QUASAR.
Há cerca de um ano, gravando num estúdio, comentei o belo som que um velho companheiro tirava do seu sax tenor. Perguntei a marca e ele me propôs um teste às cegas. "Adivinha!".
Topei a brincadeira e, de olhos fechados toquei o instrumento que, de cara, opinei: "Parece um Selmer Super Action '80! Tem a robustez de um Mark VII, mas a mecânica do Super Action...".
O cara sorriu e disse: "Não! É um Quasar"!
Minha experiência com instrumentos "orientais" não passava do velho Yamaha do começo de minha carreira e não havia nada que tivesse experimentado, coreanos ou chineses, que merecesse minha atenção ou elogios, quaisquer que fossem, até então.
De lá pra cá, passei a prestar mais atenção nessas novas versões orientais, conhecer um pouco mais do que têm desenvolvido, sua história e a invasão no mercado brasileiro.
Outro mestre, que atualmente é o médico de meus instrumentos, Wilson Marimba - grande saxofonista - me apresentou outras destas marcas muito boas, que músicos cariocas têm utilizado, plenamente satisfeitos pela relação custo-benefício que apresentam.
Voltei, recentemente em Goiânia, a experimentar um sax tenor Quasar mais uma vez me surpreendi com sua desenvoltura, afinação, boa resposta sonora e brilho.
Seu peso, em princípio, causa certo impacto, constatação anulada pela sua boa anatomia e, com mais umas duas horas de prática, o saxofone está debaixo do dedo.
O excelente acabamento e um estojo levíssimo e prático completam a apresentação deste que se tornou meu preferido dentre os instrumentos de preços mais acessíveis.
A meus mestres e meus caminhos, meu muito obrigado.
Humberto Araújo toca em um Sax Tenor Quasar QTS 102.
http://www.rorizweb.com.br/a-empresa/os-artistas-quasar/
http://humbertoaraujo.com/
ResponderExcluirHumberto Araujo GRANDE MUSICO !Devia ser mais lembrado.